Valor Divino do Humano - Jesus Urteaga Lodi

Compreendi a frialdade dessas almas quando senti no meu íntimo aquele repto que refletiam os olhos dos pagãos: “Demonstrai-nos com vossas vidas que Cristo vive!”.Valor Divino do Humano - Jesus Urteaga Lodi

sábado, 14 de março de 2020

CARO LEITOR


Ela soube de tudo, muito depois que a vaga lembrança da suavidade que se inclinava sobre seu berço, quando pequenina, tinha se fixado como um halo na fotografia daquela moça bonita que lhe ensinaram a chamar: Mamãe. Soube agora, no dia em que fazia um trabalho sobre um tema atual que a apaixona. Quando, depois de muito ler, escutar, teve certeza de que há gente demais, acarretando problemas demais. Quando se identificou com uma terrível opção que lhe pareceu tão válida que deveria ser permitida e até legalizada. Quando se prontificou a defender seus pontos de vista num debate entre universitários, seus colegas.
Então, quando terminou de bater à máquina, resolveu mostrar à tia o que escrevera, gostava de ouvir seus elogios, seus comentários às vezes discordantes, mas sempre carinhosos. Mas desta vez, ela começou a chorar.
- O que é isso, titia? Não pensei que o que escrevi fosse tão emocionante!
A tia, enxugando os olhos, respondeu:
- É que você se parece tanto com sua mãe! Também sabia argumentar como você, mas as razões dela eram tão diferentes! Dizia: “A vida é maravilhosa, é um dom de Deus. Eu nasci, tive infância, juventude, conheço o que é uma flor, um sorriso, um pássaro voando. Sei o que é querer bem, o que é ter saudades, sei o que é sofrer e o que é uma alegria. Como é que vou impedir de viver uma criatura, filha do meu amor? Tirar-lhe a oportunidade que eu tive?” E continuou, baixinho, como se falasse consigo mesma: “foi por isso que não seguiu o conselho dos médicos que a alertaram para o perigo que iria correr.”
A mocinha emudeceu. Depois fez mil perguntas. Jamais percebera, pela delicadeza do pai, da tia, dos parentes, que seu nascimento custara a saúde da mãe.
Releu o que tinha escrito e rasgou. Agora tudo lhe parecia frio, falso. Mais tarde, depois de muito refletir, de muito chorar, de muito pedir perdão ao Autor da vida, recomeçou a escrever com estas palavras: “O aborto que mamãe não quis fazer”.

Autor M. S.