Valor Divino do Humano - Jesus Urteaga Lodi

Compreendi a frialdade dessas almas quando senti no meu íntimo aquele repto que refletiam os olhos dos pagãos: “Demonstrai-nos com vossas vidas que Cristo vive!”.Valor Divino do Humano - Jesus Urteaga Lodi

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A VIGÉSIMA QUINTA HORA

AUTOR: Dom Marcos Barbosa

Se Deus aumentasse o dia para que certas pessoas encontrassem tempo para rezar (já li certa vez, não me lembro onde), acabariam usando para outras atividades essa hora suplementar. Como se tem feito um pouco com a Quaresma. O que torna muito oportuno o conto de Andreas Laun, que passamos a resumir.

Os anjos comunicaram a Deus que os homens já quase não rezavam. E uma legião deles, vindo à terra fazer uma pesquisa, concluiu que os homens estavam conscientes disso e se preocupavam com o fato, mas alegavam, coitados, que era por falta de tempo. Houve um certo alívio no céu, pois não se tratava propriamente de uma recusa ou revolta. Alguns membros do Conselho Celeste opinaram que a Providência Divina poderia corrigir o ritmo febril na vida moderna, mandando alguma punição como um dilúvio universal, um grande terremoto, guerra, peste e Aids. Mas o ovo de Colombo foi descoberto por um jovem anjo: Deus poderia ser compreensivo e aumentar o dia. Apesar da oposição de alguns, a proposta foi apresentada a Deus, que, para surpresa de todos, concordou logo de saída. Foi criada uma vigésima quinta hora.

Quando os homens perceberam que o dia durava mais uma hora, houve grande contentamento. Depois de um certo tempo de prudente reserva os bispos anunciaram que a vigésima quinta hora devia ser “a hora de Deus”. Mas logo o céu se desiludiu, pois não viam chegar lá em cima mais orações que antes. Mandaram pois mensageiros à terra. Estes voltaram relatando que os homens de negócios alegavam que a hora suplementar provocara mais despesas e, que era preciso compensá-las com mais trabalho. Outro anjo causou grande espanto num sindicato, mas foi ouvido com cortesia; explicaram-lhe, porém, que a nova hora correspondia a uma antiga reivindicação dos trabalhadores, devendo ser usada para lazer e repouso.

Nos meios intelectuais discutiu-se à exaustão o assunto. Em mesa-redonda transmitida pela televisão, que atingiu grande índice de audiência, afirmou-se que não se podia determinar a uma pessoa adulta e vacinada o que deveria fazer na hora suplementar. A ideia dos bispos de apresentá-la como “hora de Deus” devia ser repelida como um ato de autoritarismo. Mesmo porque os estudos sobre a origem dessa nova hora ainda não tinham sido concluídos, não podendo, portanto, ingênuas interpretações religiosas pretenderem influenciar o homem moderno.

Nos círculos eclesiásticos foi dito aos anjos que de certo modo ainda se rezava e que a intervenção do céu devia ser considerada uma oferta, uma simples contribuição que cada um devia usar segundo a própria consciência. Alguns iam mais longe, declarando que, do ponto de vista da Igreja Popular, cada caso devia ser avaliado criticamente: destinar a vigésima quinta hora à oração era algo de restritivo, que não poderia de modo algum ser decidido “de cima para baixo”, sem um adequado trabalho junto às bases. Alguns párocos declaram que agradeciam de coração aquela hora a mais, da qual tinham grande necessidade para as atividades pastorais. Um teólogo revelou que estava escrevendo um livro sobre a oração e a hora extraordinária vinha a calhar para que levasse avante a obra.

Todos tinham assim um motivo pelo qual a hora acrescentada não podia de forma alguma ser dedicada à oração. Uns prologavam o dia de trabalho, outros o tempo livre, outros ingressavam em novas associações ou frequentavam cursos sobre auto-realização e novas técnicas de diálogo e meditação. Escreveram-se muitos livros de pedagogia, sociologia, economia, psicologia e teologia sobe a vigésima quinta hora e seu significado, como também se realizaram não poucos congressos científicos. Institutos religiosos organizaram cursos sobre as diversas técnicas de oração, cujos participantes entravam a discutir pela noite adentro.

Grande, porém, foi a surpresa dos anjos ao verificarem que aqueles que haviam colocado ao serviço de Deus a vigésima quinta hora eram justamente os que sempre haviam encontrado tempo para rezar! Então o Conselho Celeste compreendeu que a oração é uma questão de amor. O tempo, por si só, não produz homens de oração. Os que não querem rezar, nunca encontrarão tempo para fazê-lo, mesmo que se prolongue o dia. Só aqueles que amam encontram tempo. Por isso os anjos pediram a Deus que cancelasse a vigésima quinta hora e que a varresse da memória dos homens.



Nenhum comentário:

Postar um comentário